09/04/2021 às 19h04min - Atualizada em 10/04/2021 às 00h00min

Quem não conhece a África?

André Luiz Moscaleski Cavazzani e Mariana Bonat Trevisan (*)

SALA DA NOTÍCIA NQM
Shutterstock

Minha filha, nesses dias, me viu com uma camiseta temática na qual estava escrito “A África não é um país”. Ela olhou com ar de dúvida, demorou, mas, para o alívio de um pai preocupado, completou: “ah, entendi África é um continente com um monte de países né? Mas pai”, ela continuou, “você nem veio de lá, por que tá usando essa camiseta?”. Como pai sei que esses momentos não se perdem e, assim, segui investindo no tema e perguntei: “E precisa ser de lá, minha filha?”. Buscando gerar empatia continuei o questionamento: “você não acha chato quando vê por aí uma pessoa dos Estados Unidos se espantando em descobrir que Buenos Aires não é a capital do Brasil?”. Terminei, a reflexão com a seguinte pergunta: “é ok que num país onde quase a metade da população descende de africanos saibamos tão pouco sobre a África?”.  Ela ficou pensativa e eu também.  

A conversa me tocou tanto que, no dia seguinte, levei o assunto para debater com alguns colegas. E, vejam só!  Este equívoco, além de ser mais comum do que parece, não se limita às crianças. Foi o que disse, então, minha colega, professora Mariana, com quem assino esta breve reflexão. Para apoiar sua constatação, trouxe exemplos recentes de situações ocorridas com ela enquanto lecionava História da África no ensino superior. Nas primeiras aulas, disse ela: “costumo sempre começar questionando meus alunos: O que é a África?”.  Sem meias palavras, muitos respondem: “Um país” ou “um grande país”. Há, ainda bem, os que repreendem, denunciando o erro: “a África é um continente, não um país!”. 

Porém, neste mesmo contexto, não são raros os alunos que, ao serem indagados sobre nomes de capitais e países africanos mencionam a Jamaica ou o Haiti. Ou seja, seguiu pontuando a professora Mariana: “identificam a presença afrodiaspórica na região, mas erram os países, especificidades de suas culturas e localizações”.  

Em suma, sabe-se pouco da África aqui no Brasil. Diante disso, depois desta conversa, perguntamos a você leitor: teríamos os mesmos equívocos se o mesmo desafio fosse repetido indagando-se onde se localizam, no mapa mundi, Estados Unidos ou a Inglaterra? Talvez não. 

Como professores de história entendemos que os equívocos em relação à África, narrados acima, não se dão sem motivo. O estudo e ensino da História da África em nosso país, como disciplina obrigatória, a constar dos currículos escolares e universitários é relativamente recente. Foi chancelado pela lei 10.639 de 2003 e, ainda, enfrenta sérios desafios para ser implementado não apenas como direito, mas como fato. 

É verdade que avançamos muito e muitos livros didáticos já acrescentam o tema em seus índices.  Porém, não é raro encontrar por aí, no contexto escolar como um todo, vícios de interpretação que simplificam a História do Brasil como um derivado de processos europeus. Vícios de nascença, talvez, já que a primeira obra de síntese sobre a história do Brasil, a História Geral do Brasil, veio das mãos de um historiador, Adolfo de Varnhagen, filho de mãe portuguesa e pai alemão.  

Séculos e séculos de História Africana acabam comprimidos em uma página ou duas páginas de forma acessória, enquanto o mundo europeu, por sua vez, recebe abundante atenção. O grande africanista brasileiro Alberto da Costa e Silva observou em 2015, numa interessante entrevista, “que descendentes precisam saber que a história da África é tão bonita quanto a da Grécia, que eles não eram bárbaros, que não são descendentes de escravos. São descendentes de africanos que foram escravizados.”  Eu e a professora Mariana que, “nem viemos de lá”, como disse minha filha, somos da opinião de que temos o direito de conhecer, estudar e ensinar História da África em toda sua riqueza, diversidade e complexidade. Mais do que isso, como brasileiros, temos este dever, afinal quem não conhece a África não conhece o Brasil.  

(*) André Luiz Moscaleski Cavazzani é Doutor em História e Professor do curso de História do Centro Universitário Internacional Uninter.  

(*) Mariana Bonat Trevisan é Doutora em História e Professor do curso de História do Centro Universitário Internacional Uninter. 

 


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