16/04/2024 às 16h36min - Atualizada em 16/04/2024 às 16h42min

Desistência recursal não desfaz julgamento decidido por voto de qualidade no Carf

*Rodrigo Massud, sócio do Choaib, Paiva e Justo Advogados

Rodrigo Massud
Choaib, Paiva e Justo Advogados

Ao que tudo indicava, a celeuma “voto de qualidade” no Carf, fator de grande instabilidade institucional no órgão nos últimos anos, havia sido superada com a solução, legislativamente negociada, no âmbito da Lei nº 14.689/2023, ao prever-se – como contrapartida ao reestabelecimento do voto de qualidade do presidente do colegiado –, o regime de exoneração das multas de ofício e possibilidade de pagamento parcelado do saldo devedor, em 12 prestações, mediante exclusão dos juros de mora (Selic) e utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa [1].

Eis que surge uma engenhosa interpretação do Ricarf, traduzida em recente artigo publicado pelo dileto amigo Carlos Daniel em “Direto do Carf” [2], coluna do ConJur, e que está gerando consequências gravíssimas aos contribuintes que, vencidos por voto de qualidade nas Câmaras baixas, passaram a desistir de seus Recursos Especiais à Câmara Superior logo após a publicação da Lei nº 14.689/2023, de forma a encerrarem suas discussões administrativas e aderirem ao regime de pagamento então instituído.

É nesse salutar espírito dialógico que, na intersecção dos temas processuais e materiais (evidenciando o instrumentalismo tão caro à processualística [3]), procuraremos estabelecer breves contrapontos para delimitar os institutos da “desistência recursal” e da “renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação”, evitando distorções e contribuindo para um ambiente de segurança e não surpresa, sob pena de incentivar-se novos e redundantes metacontenciosos.

1) O contexto institucional envolvido no retorno do “voto de qualidade”

Na origem da instabilidade institucional gerada pelas recentes mudanças do voto de qualidade no Carf, tem-se a Lei nº 13.988/2020, fruto de conversão da MP 899/2019 (“MP do contribuinte legal”), na qual foi inserido o art. 19-E na Lei nº 10.522/2002, prevendo que, nos casos de empate de julgamento nos processos de determinação e exigência do crédito tributário no âmbito do Carf (ou seja, caracterizada dúvida interpretativa sobre a imposição fiscal), a matéria resolver-se-ia em favor do contribuinte.

Essa novidade legislativa foi duramente criticada pelas entidades fazendárias, desaguando na fatídica fala do ministro da Fazenda, que chegou a comparar os julgadores com origem nas entidades representativas dos contribuintes a detentos[4].

A inserção do famigerado “art. 19-E” foi tida como uma “emenda jabuti”, tendo sido objeto da Portaria ME nº 260/2020, na qual se procurou restringir de todo modo o alcance do critério de desempate pró-contribuinte [5], além de ter sido atacada por meio das ADIs 6.399, 6.403 e 6.415, uma delas de iniciativa da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), ocasionando movimentos grevistas e diversas suspensões de pautas no âmbito do Carf naquele período.

Iniciado o julgamento das ações diretas junto ao STF, apesar da maioria formada pelo reconhecimento da validade do “art. 19-E”, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista, na sessão plenária de 24/3/2022. Enquanto isso, após uma tentativa fracassada de acordo entre governo e OAB no âmbito das ADIs [6], o Poder Executivo editou a MP 1160, de 12/01/2023, revogando, sem debate, o “art. 19-E”, fato esse que ocasionou grande desconforto e resistência no Congresso Nacional, de modo que, numa solução negociada [7], restou ajustado que a matéria seria deliberada no âmbito de um projeto de lei, e assim foi feito no PL 2.384/2023, convertido na Lei nº 14.689, de 20/9/2023, havendo, então, a perda de vigência da MP 1160 em 1º/06/2023 [8].

Nesse contexto, criou-se, em ambiente material, o regime de pagamento dos créditos tributários mantidos no Carf por voto de qualidade, veiculado pela Lei nº 14.689/2023, regulamentado pela IN RFB nº 2.167/2023 e incluído na carta de serviços do Regularize [9] da PGFN (para débitos inscritos em dívida ativa decorrentes de decisão por voto de qualidade).

2) Efeitos da desistência do Recurso Especial no Carf: consolidação da decisão de mérito por voto de qualidade

Diante do regime de pagamento veiculado pela Lei nº 14.689/23, induziu-se o comportamento dos contribuintes em direção à regularização dos créditos tributários mantidos por voto de qualidade. Com isso, diversos contribuintes que detinham decisões desfavoráveis passaram a desistir dos seus Recursos Especiais à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), reconhecendo suas derrotas por qualidade nas Câmaras baixas, permitindo assim a regularização dos débitos mediante exclusão de multa e juros.

Surge então a interpretação regimental encampada em decisões homologatórias dos pedidos de desistência recursal, segundo a qual restaria caracterizada a “renúncia ao direito”, tornando-se “insubsistentes” as decisões anteriores do processo. Ou seja, como num “pulo do gato”, aquela derrota por voto de qualidade torna-se inexistente, impedindo-se assim a regularização do débito com exclusão de multa e juros.

Tomando como contraponto o citado artigo de Carlos Daniel, tem-se à seguinte conclusão: “o art. 133, § 3º do Ricarf equipara a desistência ao ato de renúncia ao direito material litigioso, ou seja, cria-se uma desistência normativamente qualificada, distinta daquela do CPC.”

Com as devidas vênias, pensamos não ser possível construir essa equiparação entre desistência recursal e renúncia ao direito material, a partir do texto do Ricarf, e para isso justificamos os pontos críticos, com o objetivo de evitar confusão dos institutos processuais e, quem sabe, reverter a consolidação de uma prática administrativa que vem induzindo insegurança.

a) Diferença entre i) desistência da ação e desistência recursal; ii) renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação e renúncia recursal. Ausência de efeito substitutivo na desistência ou renúncia recursal

Não há dúvidas sobre as diferenças entre desistência da ação e renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação: a primeira produz julgamento sem resolução de mérito, dependendo da anuência do réu caso já oferecida contestação (CPC, artigo 485, VIII e § 4º), salvo no caso do artigo 1.040, § 3º, do CPC, não fazendo coisa julgada material e, portanto, permitindo a repropositura da ação; a segunda produz julgamento de mérito, não dependendo da anuência do réu (CPC, artigo 487, III, “c”), impedindo a repropositura da ação (pressuposto processual negativo). Tratam-se, portanto, de institutos que se diferenciam a partir dos efeitos (materiais e processuais) que produzem na coisa julgada (formal ou material).

Desistência e renúncia da ação, contudo, não se confundem com desistência e renúncia do recurso, tais quais previstas nos artigos 998 e 999 do CPC [10], e aqui se encontra o primeiro problema de premissa na conclusão do artigo de Carlos Daniel, ora criticada. Por um lado, só se cabe falar em desistência da ação até a prolação de sentença, nos termos do artigo 485, § 5º, do CPC, sendo que, após a contestação, o autor da ação somente pode desistir da sua pretensão mediante anuência do réu. Outra coisa absolutamente distinta se passa com a desistência do recurso, prevista no artigo 998 do CPC, a qual pode se dar pelo recorrente (tanto faz se autor ou réu da ação), independentemente da anuência do recorrido.

Ou seja, trata-se de ato de disposição unilateral do recorrente que, exatamente por não afetar o direito de ação, independe de anuência do recorrido, até porque o recorrente pode ser o próprio réu. Nessa situação, a desistência do recurso produz efeitos imediatos (direito potestativo), não dependendo sequer de homologação pelo tribunal, não implicando extinção do processo sem resolução de mérito e, por isso mesmo, não havendo que se falar em efeito substitutivo, tal qual previsto no artigo 1.008 do CPC [11]. Desiste-se do recurso, mantem-se intacta a sentença nos termos em que prolatada.

É lição comum que o efeito substitutivo dos recursos opera nos limites do efeito devolutivo, aos capítulos efetivamente enfrentados na causa, pressupondo, portanto, recebimento e apreciação do mérito recursal. De modo que, não há efeito substitutivo no caso de não conhecimento do recurso, como se dá na hipótese de desistência recursal.

O artigo 999 do CPC, por sua vez, ao se referir a “renúncia ao direito de recorrer”, não se equipara à renúncia do direito material sobre o qual se funda a ação, prevista no artigo 487, III, c, do CPC, tratando, em verdade, de manifestação unilateral da parte sucumbente (autor ou réu da ação), antes de interposto o seu recurso.

Em outras palavras, caso já interposto o recurso, é possível sua desistência pelo recorrente; caso ainda não interposto o recurso, é possível sua renúncia pelo sucumbente, tratando-se, em ambos os casos, de direito potestativo da parte recorrente/sucumbente, ou seja, fato extintivo do direito de recorrer, portanto, não dependente de anuência da outra parte.

Por maior razão, não há que se falar em efeito substitutivo na renúncia ao direito de recorrer, já que, neste caso, sequer há recurso interposto. Na renúncia ao direito de recorrer, demonstra-se desinteresse na revisibilidade do conteúdo da sentença, ou seja, o vencido aceita a decisão judicial e não pretende modificar sua condição no processo, a de vencido.

Em caso emblemático envolvendo o tema, assim decidiu o STJ: “A desistência do recurso ou a renúncia ao prazo recursal determina, em regra, o trânsito em julgado da decisão impugnada, se não houver, vale registrar, recurso pendente de julgamento da outra parte” (REsp 1.344.716 – grifos nossos) [12].

Em resumo, desistência do recurso e renúncia ao direito de recorrer não se confundem com desistência da ação e renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação, estes sim institutos que afetam a esfera patrimonial de direitos disponíveis da parte ex adversa e, por isso mesmo, possuem efeitos específicos no CPC, sobretudo no que diz respeito à coisa julgada.

Uma vez ocorrida a desistência ou renúncia recursal, não há extinção do processo sem resolução de mérito, operando-se o trânsito em julgado da decisão impugnada tal como proferida, a qual não é substituída. Isso pela razão óbvia de que não cabe desistência da ação, após a prolação de sentença.

b) Impossibilidade de renúncia implícita ou presumida

Há que se observar que a renúncia a direito material há de ser interpretada estritamente (artigo 114 do Código Civil [13]). E, para tanto, há necessidade de procuração específica para que o advogado possa desistir da ação ou renunciar ao direito sobre o qual ela se funda (CPC, artigo 105), diferentemente do que ocorre na desistência ou renúncia recursal, exatamente porque não se admite presunção.

Nesse sentido, diante de cláusulas padrão inseridas nos antigos e tradicionais parcelamentos tributários por adesão (Refis), prevendo a renúncia ao direito material, é consolidado o entendimento segundo o qual: “embora para a adesão ao Refis a lei imponha a renúncia sobre o direito em que se funda a ação, descabe ao Judiciário, nessas circunstâncias, decretá-la de ofício, sem que ela tenha sido requerida pelo autor, visto que as condições de adesão ao parcelamento não estão sub judice.” (REsp 963.420, ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, julgado em 4/8/2009, DJ 17/8/2009 – grifo do autor). No mesmo sentido: STJ-1ª Seção, REsp 1.124.420, ministro Napoleão Maia filho, j. 29/2/2012, DJ 14/3/2012.

E ainda: “(…) 3. À luz da jurisprudência do STJ, a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação tem que ser expressa, não se admitindo que seja presumida em razão das disposições legais que regem o benefício fiscal da Lei n. 11.941/2009 (v. G.: REsp 1048669/RJ, rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, julgado em 5/2/2009, DJe 30/3/2009; REsp 757.719/PR, rel. ministro José Delgado, 1ª Turma, julgado em 23/8/2005, DJ 19/9/2005 p. 227).”

Não havendo que se confundir desistência e renúncia recursal com renúncia ao direito material, bem como não havendo como se presumir a renúncia ao direito material, resta-nos analisar as disposições do Ricarf sobre o assunto.

c) A previsão constante no § 3º do artigo 133 do Ricarf e a inexistência de coisa julgada no processo administrativo tributário

Compreendidas e delimitadas as diferenças dos institutos da desistência e renúncia da ação, e desistência e renúncia recursal, vejamos o que dispõe o Ricarf sobre o assunto:

Art. 133. O recorrente poderá, em qualquer fase processual, desistir do recurso em tramitação.

§ 1º. A desistência será manifestada em petição ou a termo nos autos do processo.

§ 2º. O pedido de parcelamento, a confissão irretratável de dívida, a extinção sem ressalva do débito, por qualquer de suas modalidades, ou a propositura pelo contribuinte, contra a Fazenda Nacional, de ação judicial com o mesmo objeto, importa a desistência do recurso.

§ 3º. No caso de desistência, pedido de parcelamento, confissão irretratável de dívida e de extinção sem ressalva de débito, estará configurada renúncia ao direito sobre o qual se funda o recurso interposto pelo sujeito passivo, inclusive na hipótese de já ter ocorrido decisão favorável ao recorrente.

§ 4º. Quando houver decisão desfavorável ao sujeito passivo, total ou parcial, sem recurso da Fazenda Nacional pendente de julgamento:

I – se a desistência for parcial, os autos serão encaminhados à unidade de origem para que, depois de apartados, retornem ao Carf para seguimento quanto à parcela da decisão que não foi objeto de desistência; e

II – se a desistência for total, os autos serão encaminhados à unidade de origem para as providências de sua alçada, sem retorno ao Carf.

§5º. Quando houver decisão favorável ao sujeito passivo, total ou parcial, com recurso da Fazenda Nacional pendente de julgamento, e a desistência for total, o Presidente de Câmara declarará a definitividade do crédito tributário, tornando-se insubsistentes todas as decisões que lhe forem favoráveis.

§6º. Após iniciado o julgamento, a definitividade do crédito tributário, e a insubsistência de eventuais decisões favoráveis ao sujeito passivo, serão declaradas pelo Colegiado.”

Como se vê, o § 3º do artigo 133 dispõe que “no caso de desistência (…) estará configurada renúncia o direito sobre o qual se funda o recurso, de modo que, desde logo, esbarramos num problema de ordem técnico-sintática e semântica que nos impede qualquer interpretação extensiva (aliás, vedada pelo art. 114 do Código Civil), no sentido da equiparação regimental da desistência recursal à renúncia ao direito material sobre o qual se funda a AÇÃO, criativamente nomeada como “desistência normativamente qualificada”.

Ao dispor sobre renúncia ao direito sobre o qual se funda o recurso, o Ricarf permanece absolutamente dentro das regras processuais que regulam os institutos da desistência e renúncia recursal, de modo que renunciar ao direito sobre o qual se funda o recurso não se confunde com renunciar ao direito sobre o qual se funda a discussão objeto do auto de infração, até porque só se pode desistir/renunciar sobre aquilo que se tem disposição (no caso, a matéria recorrida).

Além do mais, como se viu, a renúncia ao direito deve ser expressa e exige poderes específicos, não podendo ser presumida. E nem poderia o Ricarf dispor de modo contrário, na medida em que, não obstante exerça função jurisdicional atípica, suas decisões não produzem coisa julgada, exatamente em função da inafastabilidade da tutela jurisdicional (CF/88, artigo 5º, XXXV). A figura aproximada à renúncia a direito, prevista no CPC, no máximo poderia se dar com a renúncia à instância administrativa, como ocorre, por exemplo, no caso de concomitância com ação judicial que discuta o mesmo objeto, mas ainda assim precisa ser solicitada expressamente [14] e não produz coisa julgada.

Aqui reside, portanto, o esvaziamento da sugestiva tese da equiparação da desistência recursal à renúncia ao direito material, tendo em vista que que não há qualquer efeito material prático na indigitada equiparação (senão um perverso e duvidoso efeito arrecadatório), pois a matéria continuará podendo ser discutida no Judiciário.

O desconforto que se procurou contornar no Ricarf está ligado à chamada preclusão lógica, ou aquiescência da decisão recorrida, prevista no artigo 1.000 do CPC [15], a qual igualmente não se confunde com renúncia a direito material e nem gera efeitos de coisa julgada.

Esse parece ser o endereçamento conferido pelo microssistema de desistência e renúncia recursal veiculado pelo artigo 133 do Ricarf, sobretudo quando o § 3º dispõe, em sua parte final, que diante daquelas figuras (desistência, parcelamento, confissão da dívida e extinção do débito), estará configurada a renúncia ao direito sobre o qual se funda o recurso, “inclusive na hipótese de já ter ocorrido decisão favorável ao recorrente.”

O que se quer evitar é a incompatibilidade lógica entre a aquiescência do crédito tributário e o ato de recorrer. E, no caso da desistência recursal visando o pagamento do débito nos termos da Lei nº 14.689/2023, estamos diante da clara figura de aquiescência à decisão recorrida, que em nada se confunde com renúncia a direito, muito menos gera efeito substitutivo.

Há, simplesmente, perda do interesse de agir recursal, de modo que a decisão de mérito, então recorrida, passa a ser definitiva.

Os §§ 4º e 5º do artigo 133 deixam isso evidente ao separarem as consequências da preclusão lógica no caso de haver decisão desfavorável ou favorável ao sujeito passivo, sem ou com recurso da Fazenda Nacional.

E, por óbvio, havendo recurso da Fazenda Nacional pendente de julgamento, a desistência do sujeito passivo em relação ao seu recurso não prejudica o recurso fazendário. O que se quer evitar, reitere-se, é a incompatibilidade lógica que, por exemplo, poderia se dar numa situação em que o sujeito passivo possua decisão favorável, total ou parcialmente, com recurso fazendário pendente e, em seguida, realize o parcelamento do seu débito para, num segundo momento, rescindi-lo e pleitear a extinção da exigência com base na decisão anterior que lhe era favorável, pedindo ainda a restituição dos valores pagos.

Para evitar esse tipo de situação é que o § 5º do artigo 133 previu a insubsistência das decisões anteriores favoráveis ao sujeito passivo, cenário esse que não se confunde e nem se aproxima, em absoluto, do problema aqui discutido, em que o sujeito passivo possui decisão desfavorável e desiste do seu recurso para promover o pagamento do débito nos termos do regime instituído pela Lei nº 14.689/23.

3) Conclusões

Não é possível concluir, portanto, que 1) o “efeito dessa desistência qualificada, enquanto ato de disposição do direito discutido, é idêntico ao que se dá no CPC, sendo isso esclarecido no artigo 133, §§ 5º e 6º do Ricarf, ao afirmarem que a desistência gera a definitividade do crédito tributário”.

Sem dúvida, a desistência recursal, não havendo recurso da outra parte, gera a definitividade da decisão recorrida no CPC, assim como ocorre no Ricarf, daí porque a definitividade do crédito tributário. Mas isso se dá não pelo efeito substitutivo da decisão “homologatória” da desistência (até porque nem há necessidade de homologação, como visto), e sim pela consolidação da decisão recorrida desfavorável ao sujeito passivo (a parte assume como certa e aquiesce com a decisão recorrida), nos termos do § 4º do artigo 133, não cabendo cogitar-se em “ato declaratório da definitividade do crédito, dotado de conteúdo resolutivo do mérito da discussão, em decorrência da configuração da renúncia ao direito.”

Tal concessão sintática e semântica seria extrapolar, em muito, o que dispõe o próprio Ricarf sobre o assunto e o sentido e alcance da desistência e renúncia recursal. Igualmente, não é possível concluir que 2) “essa renúncia tem como efeito o reconhecimento material da correção do ato administrativo objeto de insurgência recursal”, na medida em que o contribuinte não fica impedido de rediscutir a matéria no âmbito judicial, vale dizer, não há formação de coisa julgada capaz de gerar pressuposto processual negativo.

Portanto, se a ideia (negociada) da Lei nº 14.689/2023 era eliminar conflitos, o efeito perverso do utilitarismo processual que vem sendo praticado no Carf será exatamente o contrário. Para concluir, se fosse verdade que a decisão “homologatória da desistência qualificada” no Carf gerasse um ato dotado de conteúdo de mérito, com a consequente substituição (desfazimento) da decisão por voto de qualidade recorrida, tornando definitivo o crédito tributário, não faria qualquer sentido a CSRF prosseguir com o julgamento dos Recursos Especiais da PGFN, bastando que fosse “certificada” a definitividade do crédito tributário, já que tornada “insubsistentes todas as decisões que lhe forem favoráveis.” Não nos parece que é bem assim.


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